Política municipal se tornou tão pútrida quanto os que dela se aproveitam; maneira mais eficiente de eliminar tudo isso é votando contra tais candidatos
Nessa conversa de cada ambiente ter uma linguagem, diz-se na política que as rusgas locais não se nacionalizam. Por isso, partidos que se engalfinham em Brasília estão juntinhos nos rincões. Mas a situação mudou bastante.
Em municípios longínquos das decisões, até há não muitas décadas, a briga era entre UDN e PSD. As recentes opunham PDS e PMDB. PT e PSDB não chegaram ao paroxismo, talvez por terem origem umbilical no enfrentamento ao regime militar.
Em todos os casos, as pendências residem nas redondezas, assim como as pautas. Negativo, base. Apareceram uns estudiosos fakes, cientistas políticos de redes sociais (ou de redes de TV, tanto faz) e se apossaram de termos clássicos, como esquerda e direita. Os adeptos de um lado não são adversários do outro, mas componentes do front inimigo, doidinhos para levar chumbo na asa ou no lombo.
Nossa federação tem desses itens assustadores. A União arrecada, sob pena de cadeia a quem ousar defender as próprias burras, depois envia de volta parte do butim. Se o sujeito não gastou como o poder central decidiu, vai se tornar inelegível ou qualquer outro desses palavrões inventados pela burocracia. O morador da cidadezinha está quieto em seu canto, chega um brabão na telinha e expele a ordem a seus iguais. Não demora e olha lá o títere receitando que o aliado conteste com a verborragia memorizada.
Concluída a esfrega, o grandão volta para a capital, se encastela em seu bunker e sobra para o cafuçu o desdém do amigo, do familiar e do colega de trabalho. Para as pragas da lavoura foi criado o defensivo, para as do oportunismo nem tomando overdose de agrotóxico.
Imaginava-se que o acirrado combate de 2022 seria encerrado naquele 1º turno, no máximo no 2º. Pois já estamos no enésimo, os defuntos continuam insepultos e os cadáveres, no armário. Clama por paz no Oriente Médio, fim da invasão da Rússia na Ucrânia, e não conversa com o irmão desde as eleições. Vai à igreja, se diz cristão, e se prende aos trechos bélicos do Velho Testamento.
Tenho alguma experiência com disputas paroquiais. Meu pai, Avelomar Torres, foi vereador em nossa cidade natal, a goiana Anicuns, a 1 hora de Goiânia. Depois, acompanhei a militância de meus irmãos mais velhos. Chegou minha vez na adolescência de pregar cartaz como hoje se posta um textão, para ojeriza da turma do contra e aplausos dos favoráveis.
Conheci a roda dos escarnecedores lá pelo fim do ensino médio, quando querela de grêmio estudantil parecia feita por protagonistas da 3ª Guerra Mundial, que se avizinhava e nunca chegou. Na faculdade, só tirei o pé do acelerador de partículas ideológicas porque tinha 3 empregos, era recém-aportado na paternidade e precisava me preparar para advogar depois de formado.
Passei para delegado e promotor de Justiça, escolhi o MP, onde os perrengues mais rápidos são os permanentes, os demais se eternizam. Tive bafafás terríveis nos pleitos para procurador-geral de Justiça, fui eleito o mais jovem do país, reeleito com 90% dos votos com 10 participantes, duas vezes nº 1 nas urnas para o Senado, perdi outras, voltei a ganhar e a perder. E nunca vi algo nem parecido com o que está acontecendo para vereador e para prefeito.
O vocabulário é altamente beligerante. A mãe é GP, sem referência ao grande prêmio. O contendor é para ir àquele lugar, e não é ao Louvre. Lá vai pedrada e vem tapa. Provocação, cadeirada, bancada, sua mãe não é homem, seu pai fica na biqueira da casa, sua mulher e sua filha isso, sua vó aquilo, você é do PCC e do Comando Vermelho ao mesmo tempo, seu flamenguista vascaíno de meia pataca. E sai da minha frente senão jogo uma gramática normativa na sua cabeça.
Com esse nível de argumentação, ai de quem guarda algum respeito por leis, a do bom senso incluída. Dois anos depois, o coitado que se aventurou a melhorar a política não quer participar mais nem como eleitor. O que era potencial se torna fato. O perigo se concretiza. A prefeitura e a câmara se tornam trincheira dos sobreviventes, sejam eles algozes ou vítimas. Ninguém entra, ninguém sai, ao menos não sem arranhões, máculas ou até decapitações; daí, o apelido de Terra de Ninguém.
Dê o que der, aconteça o que acontecer, no próximo domingo tem a mais importante eleição, a que eleva o buraco da sua rua à questão central. Ruim é quando a quirera se torna um bolo fecal expelido pela verve dos que rastejam atrás de uma política municipal tão pútrida quanto os que dela se aproveitam. A maneira mais eficiente de eliminar tudo isso é votando contra os aqui descritos, seja ele seu amigo, conhecido, irmão de igreja, conterrâneo, ex-colega de aula, filiado ao mesmo partido, partícipe de igual pensamento –ou o que ele expõe como tal.